terça-feira, outubro 07, 2003

O SAL DA BLOGOSFERA ESCUSA DE SER TÃO AMARGO

Nelson de Matos na posta 108 , colocada no seu blogue "Textos de Contracapa", critica a prestação de Pacheco Pereira na última intervenção que este teve no domingo passado na SIC.

Pacheco Pereira, na posta intitulada "Sobre a edição portuguesa de Desgraça", publicada aqui reitera as críticas que fez à edição da editora D. Quixote, dirigida por Nelson de Matos, de Desgraça, obra do último Nobel de Literatura, Coetzee.

Devo dizer aqui que concordo plenamente com o que diz Nelson de Matos na sua posta acima referida.

Não era esse tipo de coisas que JPP disse agora, que a primeira intervenção dele na SIC, em que falou do D. Quixote, de Cervantes, fazia prever. E não era isso que, no meu entender, se esperava que JPP viesse fazer das próxima vezes que aparecesse na SIC.

O que esperamos todos que JPP faça quando fala de livros, na SIC, é que seja erudito e fale de literatura e do interesse que esta representa para o grande público (porque o público dos nichos já está servido).

Agora, vir criticar, como ele fez, um texto de contracapa de uma obra do último Nobel de literatura, em vez de nos falar concretamente do conteúdo dessa obra e do autor premiado, é no mínimo despropositado. E estranho.

E é estranho porque configurando embora uma forma simultâneamente verrinosa e subtil de atingir terceiros, a que JPP já nos vem habituando nos seus escritos, não o julgávamos, contudo, capaz (ou necessitado) de a utilizar num meio tão poderoso como é a televisão.

Como exemplos dessa verrina subtilmente utilizada referimos apenas os seguintes casos que podem ser constatados no Abrupto:

1) Na posta de Agosto passado (que não posso "linkar" porque a não encontro no arquivo do Abrupto) JPP escrevia ter percebido «porque é que a lagartixa nunca chega a Jacaré»;

2) Noutra posta de Agosto passado (que também não encontro no arquivo do Abrupto) JPP, primeiro elogia Carlos Fino, para depois o enterrar vivo construindo-lhe um autêntico arranha-céus em cima da cana do nariz;

3) Na posta "Early Morning Blogs 52" do Abrupto JPP "vê" «a chuva que invade a pátria» num claríssimo gesto de concordância (quem poria isso em dúvida?) por certo gemelar da interpretação que este escriba que sou eu fez de um quadro de Caillebotte.

Mas agora a coisa mudou de figura: JPP veio, na SIC, perante uma audiência de milhões (que para o efeito constitui uma autêntica bomba atómica) esmagar um texto de contracapa cujo autor, mesmo que queira defender-se, não tem a possibilidade de o fazer perante idêntica audiência.

Repito que é uma atitude no mínimo deselegante e espero que não configure um daqueles tiques para que chamei a atenção dos leitores na minha posta "Os Custos do Virar da Casaca", do dia 27/09/2003, posta já arquivada aqui no Salmoura.

Nós que apreciamos as opiniões de Pacheco Pereira, mesmo quando não concordamos com elas, não gostaríamos de o ver na televisão a comentar apenas os fait divers desta "piolheira" e a "bater" em vítimas indefesas.

Para os fait divers bastam o Marcelo e todos os outros que sabemos.

Para bater em vítimas indefesas não há necessidade e é um acto muito feio.

Se JPP se sente vocacionado para fazer o mesmo que fazem os outros comentadores televisivos dos telejornais, então dou-lhe um conselho (que como sempre vale o que vale e não vale nada para muitos): retire-se enquanto é tempo para poder manter o seu capital de prestígio (que o tem – quer se concorde ou não com muitas das suas posições e opiniões –).

Até porque, como é no mundo dos contrários que as partes melhor se definem e justificam as suas existências, torna-se necessário que preserve as suas qualidades para que o debate prossiga com interesse e elevação.

Nota: eu sei que sou por vezes agressivo, violento, exigente, desbocado e do piorio de quantos existem na blogosfera. Mas isso tudo não me impede de fazer um apelo à mais pequeníssima réstia de bom-senso que ainda existe em mim para dizer que eu gostaria de ver Pacheco Pereira equilibrado e sereno (um blogo-calmo, talvez) pois ele é, neste momento, o sal da blogosfera portuguesa.

Já não digo "o sol que alumia" a blogosfera portuguesa porque Cunhal encarregou-se de estigmatizar negativamente esta frase.