sábado, outubro 25, 2003

NÃO DIGAM DEPOIS QUE NÃO VOS AVISEI

Aqui em O Espelho (chamo-o assim porque é onde algumas vezes nos revemos) podemos ler o seguinte:

«Em Hipocras 4, servir a comunidade, ser útil, não é uma prioridade para a maioria dos médicos. Primeiro está a sua comodidadezinha, o seu negócio. Que é isso de aceitar ser colocado na província? Que é isso de ser operado no meu hospital antes de deixar o dinheiro de algumas consultas lá no consultório que tenho na cidade? Que é isso de tratar das «pequenas» coisas – a vacinação de crianças, as bronquites, as queixas dos velhos?»

Isto que escreveu o autor dessa posta é uma caricatura a traço grosso da realidade actual, o que quer dizer que em parte da classe médica verifica-se algo de muito parecido mas nada de tão descarado e inumano. Mas caminha-se a passos largos para que esse traço grosso venha a ser no futuro a pura expressão da realidade. E porquê?

Porque toda a filosofia que está hoje a ser aplicada na política oficial de Saúde, desde o Governo Guterres, com Correia de Campos a ministro, em que o que interessa são os negócios que se podem fazer com a Saúde e os resultados de gestão que se querem obter (números, balancetes e dinheiro) - para o que à frente dos hospitais se colocam gestores vindos de fábricas de parafusos, de refrigerantes, de papel higiénico; de empresas de electricidade, de cimentos, de pasta de papel e por aí fora - em nítido e chocante desprezo pelos cidadãos doentes e pelos técnicos de Saúde, toda essa filosofia de privatização, privatização, privatização - em que os hospitais passarão a ser mega centros comerciais de assistência médica - só pode levar a que os médicos se sintam comerciantes, lojistas, feirantes, vendedores de "artigos" que podem interessar ao comprador necessitado e esqueçam de vez que houve um senhor chamado Hipócrates que deixou um texto lindo que ainda hoje se chama "O Juramento de Hipócrates", juramento este que hoje em dia já não compromete nenhum médico porque, simplesmente, deixou de ser exigido de há muitos anos nas Faculdades de Medicina - dizia eu - essa filosofia que os Governos estão a implementar à martelada para satisfação de clientelas bem conhecidas, vai de facto fazer com que a Saúde passe a ser encarada como mais um negócio banal e à sua volta se venham a fazer movimentos transaccionais de puro comércio em que de um lado estará o médico e os profissionais "produtores" de bens, e do outro lado estarão os doentes "consumidores" que terão que arranjar forma de adquirirem os "produtos" que lhes fazem falta e a que só terão acesso se tiverem dinheiro, seguros chorudos ou então crédito.

Caminha-se a passos largos (não sei se firmes - espero que não) para a perda do Direito à Saúde por parte dos cidadãos.

Esta é a maior batalha que os cidadãos enfrentam neste momento. E está nas mãos do senhor Presidente da República (que felizmente está sensibilizado para o problema) liderar por inteiro este processo. Porque se não for ele a interessar-se pelo assunto, o "Zé" estará positivamente tramado.

Não acreditem não, que ainda terão uma surpresa do caraças!

Este é um assunto que deveria estar na ordem do dia e só não está (para bem do Governo) por causa das porcarias em que chafurda a comunicação social, com as televisões todas à cabeça.

Entretenham-se com as «novelas» e o crédito barato que ainda se lixam!