sexta-feira, novembro 28, 2003

PASSE A IMODÉSTIA

Escrever por que em vez de escrever porque tornou-se moda desde há já algum tempo, e, ou se faz alguma coisa ou ainda vamos assistir a uma epidemia de por que.

Não estou a falar dos livros, mas sim das revistas e dos jornais que se publicam em Portugal. É nestes dois meios de comunicação que a moda começou e tem grassado galopantemente.

E, como não podia deixar de ser, já se estreou nos blogues com tanta força que o próprio JPP (que Salmoura julgava mais cauteloso no uso da Língua) brinda-nos hoje no Abrupto, na posta intitulada "O ESCRITOR COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO" com um exemplo cabal. Diz JPP: «quantas páginas únicas da nossa literatura são perdidas por que o estado não as subsidiou?».

Ora bem,

o termo por que (composto pela preposição por e pelo pronome relativo que) introduz frases relativas com o verbo no modo indicativo ou no modo conjuntivo, ou introduz frases interrogativas com o verbo no modo indicativo (sendo parafraseável por «pelo qual», «pela qual» e seus plurais; e «através do qual», «através da qual» e seus plurais). Exemplo: os livros por que eu estudo (os livros pelos quais eu estudo); ou o caminho por que foi a casa (o caminho pelo qual, através do qual, foi a casa), etc.;

já o termo porque, quer como advérbio de interrogação (em que é parafraseável por «por que motivo», «por que razão», «com que fim», «com que intenção»), quer como conjunção (em que é parafraseável por «visto que», «dado que», «visto como»), tem valor semântico causativo (relaciona-se com uma causa). Exemplos: Porque votaste PSD? (por que motivo votaste PSD?); porque os americanos invadiram o Iraque? (com que fim os americanos invadiram o Iraque?); ou então: votei PSD porque sou parvo (votei PSD visto que sou parvo), etc.;

Os dois termos não têm, portanto, o mesmo valor semântico, não podendo, por isso, ser permutáveis numa mesma frase.

Eis porque (por que razão) a frase por que (através da qual) JPP se exprimiu está incorrectamente escrita.

Em bom rigor, JPP ao perguntar «quantas páginas únicas da nossa literatura são perdidas por que o estado não as subsidiou?» pergunta o seguinte: "quantas páginas únicas da nossa literatura são perdidas pelas quais o estado não as subsidiou?"

Faz isso algum sentido?

Não, não faz porque o por que de JPP não serve para fazer interrogação.

A forma correcta de escrever a frase é: "quantas páginas únicas da nossa literatura são perdidas porque o estado não as subsidiou?"

Salmoura admite que algum corrector ortográfico possa estar na origem de tanto por que em vez de porque.

Mas porque será que Vasco Graça Moura, António Mega Ferreira ou Clara Ferreira Alves, por exemplo, nunca cometem esse erro? Usarão o mesmo corrector que Salmoura usa? Ou será porque são "funcionários públicos"?