DIGNIDADE, APENAS DIGNIDADE
(2829 metros de altitide)
Um guia cabo-verdiano contou a Salmoura o seguinte episódio passado com uma foto-repórter etnográfica americana, lá nos confins da ilha do Fogo, em Cabo Verde.
A repórter estava nesse dia a fotografar as habitações isoladas dos camponeses e pastores da serra. Deslocou-se a Chã das Caldeiras, localidade já várias vezes queimada por lavas incandescentes do vulcão que lhe fica mesmo ali à ilharga, onde divisou uma casa feita de pedra basáltica e telhado de colmo, com uma única porta (aberta) a servir o único compartimento da mesma. Aproximou-se e constatou que uma mulher de idade indefinida, de carnes secas e tez acobreada, estava nas imediações entregue à tarefa da ordenha de uma das três cabras que tinha. Feitos os conhecimentos através do guia, com algum custo convenceu a pastora a permitir-lhe fotografar o interior da habitação com chão de terra batida onde havia um estrado com uma enxerga coberta por uma colcha colorida, uma mesa e dois mochos em madeira (nos quais a pastora insistira muito para que se sentassem e descansassem), um pote de barro com água e uma arca de madeira tosca a um dos cantos.
Feitas as fotografias e obtidas as informações necessárias, a repórter ficou a saber que a mulher era habitante solitária (o marido morrera e os filhos, adultos, «foram à vida deles») e vivia das cabras e de algumas galinhas, dos produtos de uma pequena horta, comprando açucar, petróleo para a lamparina, banha de porco e feijões com os parcos escudos que de vez em quando um dos filhos lhe mandava.
Fazendo contas de cabeça a repórter concluiu que estava perante «a miracle» pois não era possível viver com tão pouco. Com quase nada.
Impressionada e perturbada, a repórter agradeceu a hospitalidade, despediu-se e, acompanhada pelo guia meteram-se a caminho. Mal tinham andado umas dezenas de metros ouviram chamar e viram que a mulher vinha em sua direcção; trazia na mão uma toalhinha branca atada pelas quatro pontas e contendo qualquer coisa dentro. Desatados os nós verificaram que eram presenteados com quatro maçãs mirradas. «É para matarem a fome pelo caminho», disse-lhes a mulher.