25 DE ABRIL SEMPRE
Entre muitas outras virtudes maiores de que todos nós somos conscientes, dentre as quais a Liberdade é a maior, o 25 de Abril teve, para mim, pessoalmente, a particular virtude de me curar de uma colite espástica (de origem nervosa) de que padecia havia quatro anos; e de alopecia do couro cabeludo (queda de cabelo) que já me afectava havia três anos.
A causa destes males crónicos que me afectavam numa altura em que eu era um jovem estudante, e que me obrigavam a tomar medicamentos diariamente e a gastar do pouco dinheiro que tinha para ver se preservava algum cabelo para cobrir a careca que já se via e que contrastava com os restantes velhotes meus ascendentes (todos portadores de fartas cabeleiras) numa clara contradição genética – essa causa – era só uma mas complexa: chamava-se Ditadura.
Essa causa consubstanciava-se, no meu caso particular, na PIDE que se passeava ostensivamente, todas as manhãs, pelos corredores do Hospital de Santa Maria intimidando os estudantes; na polícia de choque que visitava frequentemente o campus universitário e que em finais de 1973 ali assentou arraiais havendo várias carrinhas Nívea (assim chamadas porque da mesma cor que as latas de creme Nívia para as mãos) cheias deles, desde muito cedo espalhadas por pontos estratégicos do campus, e que à hora do almoço faziam sair vários polícias de viseira e bastão que se entregavam a insultar os estudantes que passavam por eles a caminho da cantina para almoçar, e que algumas vezes chegaram mesmo a entrar na cantina e se passearam por entre as mesas onde os estudantes faziam as refeições, numa atitude de provocação extrema que tinha como únicos objectivos intimidar e fazer reagir os mais afoitos que eram logo presos e levados à PIDE; e consubstanciava-se ainda na preocupação permanente e no medo esporádico de ser preso, em que eu vivia.
O 25 de Abril teve o condão de me curar dos meus dois males crónicos acima referidos, pois, passados três meses sobre o derrube da ditadura, milagrosamente eu estava curado, quer da colite, quer da queda de cabelo.
Apenas o que não desapareceu foi esta memória desse tempo das trevas, memória esta que me leva a combater militantemente a direita e todos os seus arautos, chamem-se eles Luís Delgado, José Manuel Fernandes, Paulo Portas, Durão Barroso (quem diria? tão esquerdista ele era naquele tempo!) ou qualquer outro (troglodita ou travesti arrependido) que queira inverter a marcha do relógio democrático instalado em Portugal pelo 25 de Abril da nossa liberdade.
Viva o 25 de Abril!
Nota: Pela cura milagrosa que o 25 de Abril operou em mim, talvez não fosse despiciendo propor ao Vaticano e ao Papa a santificação do acontecimento que operou o milagre. Aqui estou eu para prová-lo: gozo hoje de plena saúde e sou portador de uma cabeleira farta como os meus ascendentes, afinal.