domingo, julho 13, 2003

CAMILO CASTELO BRANCO E O BEM-ESCREVER PORTUGUÊS

(Do romance “Eusébio Macário)

Depois de uma descrição quase caricatural do local e do ambiente onde se desenrola a cena e que termina com Camilo dizendo «A Natureza estava cheia de mistérios amorosos e de uma grande espiritualização sensual» – depois disso Camilo passa a descrever a personagem com precisão cirúrgica bastando-lhe uma dúzia de palavras para ficarmos com a imagem perfeita de Eusébio – um esboço em bom traço da personalidade do mesmo.
Atentemos então nestes dois parágrafos de uma escrita genial e sem paralelo na nossa língua:

«Eusébio Macário ofegava, enxugava com o lenço de Alcobaça, pulverulento de meio-grosso em pastas esmoncadas, as roscas do pescoço que porejavam as exsudações da carne opilada de um farto jantar. Ele tinha feito anos neste dia e enchera-se de capão com arroz açafroado e de muito vinho de Amarante, com muita aletria engrossada de ovos e letras de canela.
– Que não queria saber de histórias – pensava –; que a vida eram dois dias; quem cá ficasse que o ganhasse.
E dava arrotos muito cheios de gases e estrondos.»


Nota:
O Português de Camilo deixou o meu corrector ortográfico à nora: não reconheceu "pulverulento", "meio-grosso", "esmoncadas", "porejavam" e "opilada".

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