sábado, setembro 27, 2003

OS CUSTOS DO VIRAR DA CASACA (Actualizado)

A identidade política e cultural de uma pessoa é das coisas mais difíceis de construir. Leva muito tempo e dentre vários factores resulta de uma evolução contínua e da sedimentação de várias ideias, princípios e dados definidores de uma matriz complexa sobre que assentam o pensamento e a praxis do indivíduo, pelo menos.

Adquirida essa matriz o ser define-se em comunidade e (supõe-se) respeita-se e faz-se respeitar tal como é: fascista, comunista, anarquista, seja o que for.

É sabido que a inscrição da matriz de que falamos se faz de forma definitiva nas proteínas constitutivas do sistema nervoso central destinadas a fixar (memorizar) vitaliciamente as impressões cognitivas e os resultados relevantes de operações conscientes da mente do indivíduo (entre elas as conclusões das operações da mente com base nas ideias e nos dados sensoriais colhidos do ambiente) mas sobretudo aqueles resultados que, depois de vários processos de aferição, são conscientemente escolhidos, dentre todos, e "arrumados" com todo o cuidado como parte indestrutível da identidade do ser.

Ora bem, isto quer dizer que uma vez definida, entre outras, a identidade política e cultural do ser, este fica, para o mal e para o bem, com a inscrição matricial efectuada e na impossibilidade de a mudar sem que seja por um processo de reinscrição que nunca apagará totalmente o registo inicial. Este registo inicial é como que o sinal que fazemos quando vincamos, por exemplo, uma folha de papel couché; por mais que a tentemos alisar depois não conseguiremos fazer desaparecer esse sinal para dar lugar a apenas um outro vinco feito noutra direcção – nem sempre o vinco é feito noutra direcção: às vezes é paralelo ou ligeiramente divergente.

Os seres que se submetem a reinscrições matriciais (Durão Barroso, Zita Seabra, Paulo Portas – são meros exemplos conhecidos, pois há mais, muitos mais) enfrentam pela vida fora problemas de desadaptação que se manifestam, por exemplo, em tiques de linguagem, vícios de raciocínio, falta de naturalidade comportamental (rigidez de pose, sorrisos desapropriados ao momento, etc.,) que os transformam, às vezes, em autênticos bonecos (manipulados ou não pelos consultores de imagem ou por si próprios). Em certos casos perdem o equilíbrio emocional, adoecem e necessitam de tratamento. Verdade, verdadinha!

Quando a reinscrição matricial se faz paralelamente ou é ligeiramente divergente em relação à inscrição inicial resultam daí indivíduos com comportamentos, ideias, e praxis aparentemente genuínos mas que, quando bem analisados, revelam sinais de ambivalência, falta de caracterização evidente de certos actos mais responsabilizadores da pessoa, e outros pequenos tiques (sempre muito pequenos) que permitem identificar a perturbação matricial de base. Em certas alturas (quando é preciso vincar inequivocamente a personalidade, por exemplo) deixam mesmo vir ao de cimo, às vezes com uma certa ostentação até, os traços matriciais primitivos. Esta "operação" faz com que obtenham nessas alturas o seu pleno reequilíbrio emocional ao serem momentâneamente "transportados" à matriz-berço. Muitas vezes com o prejuízo de alguma coerência.

A mudança matricial de que falamos é, portanto, um factor de perturbação para qualquer um, e de doença para alguns, embora esse fenómeno possa trazer alguns benefícios (momentâneos ou duradouros) para certos indivíduos.

É por isso que vemos por aí tanto comportamento que consideramos inexplicável às vezes, e que outras vezes nos surpreende pelo inesperado e pela aparente bizarria da sua natureza.

Tudo isso não passa, afinal, de particularidades da natureza humana. Somos seres muito fracos e seria bom para a nossa saúde que ponderássemos muito bem, na hora que se nos oferecer uma nova casaca, se devemos mesmo vsti-la ou não. A escolha é livre e ainda bem que assim é. Mas muitas vezes o melhor mesmo é abstermo-nos de grandes "viagens" ideológicas e evitarmos mutações culturais profundas pois, como costuma dizer o vulgo, «o homem não é de pau» e mais tarde ou mais cedo há-de pagá-las.

É vê-los e ouvi-los por aí (aos mutantes). Às vezes até mete dó.