quinta-feira, setembro 18, 2003

APENAS UMA QUESTÃO DE NEURÓNIOS?

Hoje fiz uma visita à minha antiga residência de estudante e de debutante profissional, a qual se mantém em minha posse e se encontra mobilada e recheada tal como a deixei há pouco mais de uma década. Está lá tudo do pouco que então tinha (roupa incluída).

Nela mantenho intactas e arrumadas duas estantes com centenas de livros – lidos à séria e não à marcelada – com muitos sublinhados e notas à margem, que já possuía há trinta anos. Numa secção dessas estantes contei hoje setenta e seis livros e brochuras (algumas edições clandestinas) de formatação esquerdista do leitor. Do e sobre o maoísmo confesso que contei apenas nove: devo ter feito muito mal em ter-me afastado dessas leituras por não ter acreditado então muito naquela de "a América ser um tigre de papel"; "a revolução estar no cano de uma espingarda" ou "a guerra não ser bem um convite para um jantar". Ou talvez a culpa desse abandono precoce tenha sido do André Malraux esse francês achinesado que resolveu abrir-nos os olhos mais cedo do que devia.

Revi, aqui e ali, algumas passagens soltas dos "mestres políticos" consagrados da época; rememorei as minhas convicções de então, as minhas acções (sim, fui recrutado, fui militante político de base – tenho também história dos tempos da clandestinidade dos outros – embora eu fosse pequenininho e a PIDE não me quisesse para nada) e dei lustro aos meus galões (que os tenho, ah pois!).

E depois dessa pequena rebobinagem da fita memorial fiz-me esta pergunta singelíssima para a qual gostaria de ter uma resposta por mais esfarrapada que fosse. Mas que não seja do género «só os burros é que não mudam de opinião» porque neste caso não se trata de opinião mas de algo muito mais sério: formação ideológica; no mínimo, formação política.

E a pergunta é esta:

Que circuitos neuronais precisamos fintar, bypassar, avariar, substituir, renovar, criar, reordenar e/ou destruir

Para fazermos a viagem desde esses sítios extremos até à direita (qualquer direita) e continuarmos a exibir uma carinha laroca com um sorrizinho infantil (de dente partido ou não) que se vê muito pelos corredores do poder.

Que fique bem claro:

Não estou a referir-me a Pacheco Pereira, pessoa por quem tenho admiração e respeito intelectual. Não considero Pacheco Pereira de direita.

Estou a referir-me, por exemplo, a Durão Barroso e outros que tais.

Eu conheci-os.

Nota: para uma coisa eu sei a resposta: para se ser da extrema direita, desde pequenino, o único requisito é:

Não ter neurónios. Um só que seja. Tal como acontece aos porta-vozes. E aos Portas vozes.