NARANA COISORÓ, PACHECO PEREIRA – O QUE É QUE VOCÊS DIRIAM?
Falei no meu ar aciganado mas eu não sei bem que ar é que eu tenho.
1) Em 1972 a polícia alemã investigou-me a fundo quando de comboio eu fazia o percurso Colónia/Amburgo/Copenhaga, na altura em que se disputavam os jogos olímpicos de Munique e houvera o atentado palestiniano contra os atletas olímpicos israelitas. Aí fui considerado árabe, provavelmente palestiniano, tal o vigor e a profundidade do interrogatório. Mesmo depois de libertado ainda fui seguido por um espia até Copenhaga onde me esperava na gare ferroviária o meu amigo Henrik Selsoe Sorensen. Ao vê-lo o espia deve ter ficado descansado: um típico nórdico – uma espécie de Harrison Ford mas muito mais louro, mais corpulento e de olhos azuis como esmeraldas –.
2) Em Hong Kong, em plenos anos 90, mais de 20 anos depois do episódio na Alemanha acima relatado, um Sick de turbante interpelou-me zangado numa drugstore apontando para o sinal pintado entre as sobrancelhas dele, sinal que significava "homem casado" e lhe dava, por isso, prioridade sobre mim no acesso às caixas de pagamento uma vez que eu, também um sick, suponho, só podia ser solteiro pois não estava identificado doutro modo.
3) Quando vou a uma loja indiana – sempre foi assim – faço as minhas compras todas, deposito-as no balcão, não digo palavra, e sou sempre agradavelmente brindado com descontos da ordem dos 25%, 30%, e por vezes mais.
4) Quando os ciganos (muitas vezes com razão, confesso) armam brigas no meu local de trabalho e ameaçam matar este e aquele, vêm logo a correr chamar-me para falar com eles – você é que sabe falar com eles, por favor, vá ali porque senão vai ser uma tragédia –. Chego ao local, olho para o cigano mais velho, e no meio da balbúrdia geral, digo-lhe quase sempre isto: meu amigo, venha comigo para eu saber o que se passa. Conduzo-o a um gabinete onde ele se sente gente (português com direitos) e calmamente me inteiro da situação – e não é que a maior parte das vezes lhes dou razão? – E esta hein? Saudoso Fernando Pessa, descanse em paz.
5) Por fim (não conto mais mas creiam que há coisas saborosas por causa da minha aparência) conto só isto: quando cheguei à Dinamarca, em 1972, conheci uma moça que um dia me disse: «gostaria de ter um filho preto como tu».
Narana Coissoró, Pacheco Pereira – o que é que vocês diriam a essa desavergonhada? –.