GOVERNAR PARA NEGOCIAR
Com a devida vénia transcrevo na íntegra o artigo de Francisco Sarsfield Cabral, no Diário e Notícias de hoje.
«Passo a passo, a política vai desaparecendo do nosso espaço público. A integração europeia, tema entre todos político, quase não é abordada pelos partidos (falta agravada pelos entraves colocados à participação de Manuel Monteiro em debates, calando um eurocéptico de direita com quem seria útil discutir). O governo retrai-se de promover ideologicamente as reformas que lança, limitando-se a posições defensivas. E os partidos da oposição, com excepção do Bloco de Esquerda (que pode dizer o que lhe apetece), evitam também o debate político, que parece ser-lhes incómodo. Ficam, assim, as querelas em torno de pessoas - daí a obsessão com as eleições presidenciais ou fascínio da comunicação social pelas remodelações governamentais. E ficam, sobretudo, os negócios.
A curiosa forma como saiu o ministro Theias deixou entrever o peso dos interesses económicos na condução dos assuntos de Estado. Nada de novo, com certeza: sempre existiram governantes a encarar o poder como meio de enriquecerem. Mas a importância do Estado para os negócios privados é hoje enorme, bem maior do que há cinquenta ou cem anos. Mesmo depois das privatizações, o Estado ainda gasta quase metade da riqueza nacional. E pode impedir ou autorizar muita coisa.
Os interesses económicos dividem transversalmente os partidos e ligam personalidades de diferentes quadrantes. A vítima é a transparência. A vida pública torna-se opaca, afastando o cidadão comum, que suspeita dos governantes. Daí a interrogação que paira: será que a maior parte da energia e do tempo dos governantes é gasta em avançar ou travar o negócio A ou B? Esta suspeita combate-se com política - mas da autêntica, não com cortinas de fumo para disfarçar interesses.»