sábado, março 13, 2004

MADRID EM LISBOA SERIA O CAOS



Sobre os atentados terroristas havidos em Madrid o Sr. Primeiro Ministro de Portugal declarou ontem: «Portugal está a “equacionar” o risco de um ataque dessa natureza no nosso país».

Salmoura não duvida de que essa “equação” esteja a ser concebida. Está na natureza do governante português “estudar”, “equacionar”, “diagnosticar”, “planear”. Em suma: está na natureza do governante português sonhar. Isso sabemos todos. Mas o que não está na natureza do governante português é executar cabalmente e a tempo. O governante português, quando executa, a maior parte das vezes executa mal e a más horas. Sempre depois da desgraça (os exemplos da ponte de Entre os Rios e da passagem pedonal no IC19, para só citar as mais recentes desgraças, são elucidativos).

Salmoura não tem dúvidas de que essa “equação” existe. Mas também não tem dúvidas de que essa “equação” não tem sustentação material (ia escrever a mínima sustentação material).

Os hospitais centrais portugueses têm carência de quase tudo o que é essencial para acorrer a uma situação de catástrofe como foi o de Madrid. Carências materiais e carências de pessoal.

Em primeiro lugar a falta de macas é gritante. Que o digam os doentes que em períodos normais acorrem às urgências hospitalares e são obrigados a permanecerem sentados quando deviam estar deitados; a quem por vezes não resta outra alternativa senão sentar-se no chão (é verdade!) e esperar pacientemente a sua vez de ser atendido.

– Alguém tem dificuldade em imaginar como se acomodariam os feridos num atentado, que fossem levados a um hospital português? Basta dizer que a urgência de um dos hospitais centrais de Lisboa dispõe de apenas duas cadeiras de rodas funcionais para transportar doentes!… Esclarecedor, não é? Pensem só como se faria o transporte de dezenas de feridos para serem radiografados, por exemplo. Seriam arrastados pelos corredores? E por quem? (é que a falta de pessoal nos hospitais é gritante).

Mas quem fala em macas e em cadeiras de rodas fala, por exemplo, em lençóis, em cobertores e em botijas de água quente. Tudo coisas que faltam na realidade; coisas que parecem de somenos mas que são essenciais em casos como este que o Sr. Primeiro Ministro diz estar a “equacionar”.

Para encurtar razões falemos então do mais essencial; falemos do pessoal: dos profissionais sem os quais não vale a pena haver hospitais e sem os quais, havendo hospitais, não há assistência.

Não é segredo para ninguém: falta pessoal nos Serviços de Saúde. Faltam médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e auxiliares. Faltam todos. Isto é dito todos os dias nos jornais e na televisão (felizmente e finalmente que já falam no assunto). Esperemos que os portugueses vão tendo a noção da catástrofe que isso pode vir a provocar num futuro não muito distante para que saibam como tratar este Governo quando se realizarem novas eleições.

Mas o que mais falta é o pessoal qualificado. Não há profissionais qualificados em número suficiente (mesmo para as necessidades correntes), hoje em dia, nos hospitais portugueses. E se porventura ocorresse em Portugal um atentado da envergadura do de Madrid seria o caos total nos hospitais portugueses.

E não vale a pena estarmos com subterfúgios e com paninhos quentes. Há que nomear os responsáveis maiores por este estado de coisas e pelo condicionamento do futuro dos cuidados de saúde em Portugal.

Existe um Ministério da Saúde. Existe uma Unidade de Missão (para a Saúde); existem as administrações dos hospitais SA. Existe, em suma, uma vasta “equipa laranja” cuja acção tem sido desmantelar o Serviço Nacional de Saúde em favor dos privados mas sem garantir a manutenção do acesso de todos os portugueses aos cuidados de saúde e sem manter o nível qualitativo dos mesmos. As principais acções em curso visam: “emagrecer” o quadro de pessoal dos hospitais através de vários estratagemas que passam, por exemplo, por criar dificuldades e desconsiderações várias para que o pessoal competente e que ainda “emperra” o programa de desmantelamento em curso se vá embora (peça licença sem vencimento, peça a reforma antecipada) e deixe campo livre para a contratação de substitutos oriundos do estrangeiro e do falso desemprego médico e de enfermagem nacionais, artificialmente criado através da extinção na prática das vagas antes existentes nos quadros hospitalares, substitutos esses pagos ao preço da uva mijona (o preço/hora é por vezes igual – repito, igual – ao de uma mulher-a-dias) e com contratos individuais de trabalho com cláusulas inconstitucionais e sem quaisquer perspectivas de futuro. O que faz com que mesmo estes profissionais contratados a baixo preço não se fixem nos serviços, saltitem de hospital em hospital em busca de melhores contratos, não adquiram hábitos “saudáveis” de trabalho, não estudem nem investiguem, e – pior que tudo – se vão transformando inadvertidamente em autênticas mercadorias (não queria dizer a palavra mas vou dizer: em autênticos mercenários).
Se somarmos a tudo isto a perspectiva da privatização dos Centros de Saúde, então teremos a «Reforma da Saúde» em todo o seu esplendor:

Desmantelar, desmantelar, desmantelar.
Privatizar, privatizar, privatizar.

E os pobres (e a classe média também, qualquer dia) que se lixem.

Que todos os santos nos protejam de haver um atentado em Portugal.