FARDOS DE PALHA COM TELEMÓVEL
(um exercício ficcional - ou nem tanto)
"A" encontra-se numa situação de saúde profundamente delicada e precisa urgentemente que um técnico qualificado e muito experiente entre em acção e lhe salve literalmente a vida. Olha-se para quem está de serviço e teme-se que dali não haja a solução pretendida. Contacta-se então "S" que não está de serviço e naquele momento nem deveria estar presente pois da há muito cumpriu o horário desse dia: - «tem que ser um sénior a fazer isto» dizem-lhe. "S" vai para o bloco operatório e desata um novelo complicadíssimo que o faz suar até às cuecas. Depois, cansado mas satisfeito, desanda para casa e vai ler Os Espaços em Branco de Agustina Bessa Luís.
"S" é um herói anónimo num país de opereta onde administradores incompetentes (mas amigalhaços de quem lá os colocou), que de há muito cumpriram o Princípio de Peter, continuam a gerir hospitais como se estes fossem autênticas fábricas de salsichas e o mais importante não fossem os doentes.
No dia (e tragicamente esse dia chegará) em que todos os "S"s. se reformarem, ou pura e simplesmente meterem licença sem vencimento, haverá administradores de hospitais (não confundir com administradores hospitalares que estes são formados para dirigir hospitais) que bem poderão dizer que passaram a administrar talhos – que é para onde encaminham a coisa – talhos com talhantes a preços de saldo (que é a coroa de glória de qualquer conselho de administração pós-moderno como os que há hoje um pouco por todo o lado).
Parafraseando Agustina (Espaços em Branco, pag. 57) Salmoura pensa que chegará o dia em que se nomearão administradores que cumprem apenas um requisito: serem Fardos de palha com telemóvel.