sábado, setembro 04, 2004

INFELIZMENTE - TUDO COMO ERA ESPERADO

Não há que admirar o «amadorismo», a «falta de preparação de cenários alternativos» para o resgate dos reféns da escola da Ossétia onde ontem se verificou a carnificina de mais de trezentos inocentes. Não há que haver perplexidade nem espanto perante a insensatez das autoridades russas. Não há que condenar a falta de organização de um esquema mínimo de assistência médica no local da tragédia, nem a escandalosa fuga de terroristas para parte incerta.

É assim a Rússia.

Quem leu Tolstoi, Dostoievsky ou Soljenitsin sabe que o povo russo nunca resolve nada: fica sempre à espera que "quem manda" - ponha, disponha e resolva como melhor souber (ou não souber) os problemas. E quem manda sabe que o seu poder é absoluto e não tem contas a prestar a ninguém. Por isso nunca se preocupa em gastar tempo e meios para solucionar seja o que for, confiando no tempo e no acaso para cumprir essas tarefas.

O povo russo, que viveu sempre na miséria, e que vive o quotidiano, de tragédia em tragédia, a ponto de parecer que não sabe viver sem ser oprimido e massacrado, vai facilmente absorver mais esta tragédia acontecida na Ossétia e passar à página seguinte.

Num dos livros de Soljenitsin, salvo erro, o autor descreve o dilema de dois camponeses russos que observavam o aproximar, a cavalo, do latifundiário para quem trabalhavam: não sabiam se haviam de ignorar a presença do "senhor" ou se haviam de o cumprimentar; é que se o ignorassem seriam chicoteados porque deveriam dar pela sua presença e cumprimentá-lo; se por outro lado o cumprimentassem, seriam também chicoteados por terem tido o desplante de o fazer.

Lembro-me ainda que na era Ieltsin, não há muitos anos, portanto, as televisões passaram uma entrevista a um casal russo, pais de uma filha - ele oficial do exército, ela professora numa escola estatal -. Moravam num apartamento do Estado, de duas divisões e cozinha; viviam apenas numa das duas divisões do apartamento porque a outra era onde, em duas grades vazias para garrafas, criavam dois leitões de cada vez, leitões que depois vendiam a um restaurante garantindo assim a subsistência a um nível miserável em termos ocidentais.

Tratava-se, repito, de um casal composto por um oficial do exército russo e por uma professora.

São pessoas como estas que por certo estiveram envolvidas na resolução do problema dos reféns. Daí não haver surpresas - decorreu tudo como era esperado.