terça-feira, fevereiro 03, 2004

PARECE QUE SIM

O Daniel Oliveira escreve com muita piada no Barnabé:

«A direita desapareceu da blogosfera. O "Lomba" está há semanas encalhado em clichés. O "Mexia" ainda não digeriu o luto. O magazine cultural "Abrupto", dirigido por um professor de Liceu bem comportado, está agora entre São Bernardo e Camus. Assim não vale. Isto agora é tudo nosso?»

Segui o link para o "Abrupto" e lá encontrei esta citação de Camus:

«Observe os seus vizinhos, se calha de haver um falecimento no prédio. Dormiam na sua vida monótona e eis que, por exemplo, morre o porteiro. Despertam imediatamente, atarefam-se, enchem-se de compaixão. Um morto no prelo, e o espectáculo começa, finalmente. Têm necessidade de tragédia, que é que o senhor quer?, é a sua pequena transcendência, é o seu aperitivo.»

Reconheci logo tratar-se de "A Queda" de Albert Camus. Esta narrativa do escritor franco-argelino é um daqueles livros onde facilmente se pode encontrar uma citação adequada a cada momento do quotidiano burguês.

Peguei no livro e – acreditem-me – em menos de um instante, abrindo-o ao acaso, encontrei esta outra citação:

«Mas, enfim, estava do bom lado, isso bastava para a paz da minha consciência. O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios, são, caro senhor, molas poderosas para nos suster de pé ou nos fazer avançar.»

Voltando a abri-lo, outra vez ao acaso, deparou-se-me ainda esta:

«Por vezes até, esquecendo-me de que já não acreditava no que dizia, advogava bem. A minha própria voz arrastava-me e eu seguia-a; sem verdadeiramente pairar, como antigamente, eu elevava-me um pouco acima do chão, em voo rasante.»

O requinte desta narrativa talvez se consubstancie nesta curta frase chamada à contracapa da edição que tenho em mãos:

«Quando não se tem carácter, é preciso recorrer a um método».

Parece que sim.